sábado, 29 de setembro de 2012

CANTANDO POR LINHAS TORTAS



Nesta semana duas histórias envolvendo o ensino de música - ou a falta deste - despertaram a atenção da grande mídia: primeiro, a ascensão da nova musa do funk carioca, uma certa Mc Anitta. A reportagem destaca que a moça começou cantando num coro de igreja e agora, aos dezoito anos, exibe seu talento na companhia nada religiosa da equipe de Mcs Furacão 2000.


A outra história pitoresca é a de um pedreiro que abismou a todos por gostar de tocar piano. Veja a reportagem no link abaixo.

http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2012/09/noticias/cidades/1360599-pedreiro-transforma-hora-do-almoco-em-espetaculo-musical-em-vitoria.html

  As duas histórias servem como indicadores de tendências, de um momento que vivemos dentro da sociedade, por um lado a iniciação precoce às artes que formam novos ícones positivos (ser uma famosa cantora de funk não é crime nem vergonha); por outro a gritante falta de acesso aos bens culturais das camadas menos favorecidas – e maioria – da população. É preciso parar e refletir bastante quando no mundo em que vivemos a notícia de um rapaz que trabalha como pedreiro e toca (na verdade quer aprender a tocar) piano é tratada como fato muito curioso, um espanto.

Os jovens brasileiros costumam se comparar com os “famosos” da mídia mundial, muitos parecem achar que talento é uma coisa inata, um dom e que, sem estudar apropriadamente, podem muito bem sonhar em serem os novos ídolos de sua geração. Nos países desenvolvidos os jovens têm acesso à compra de instrumentos musicais e ao estudo com professores, se quiserem podem ir a museus, teatro, cinema ou consumir literatura em grandes bibliotecas e livrarias. Existe lá uma indústria do entretenimento que é levada muito a sério, assim como o é a formação para o indivíduo que vai atuar na área.

Voltando ao exemplo da Mc Anitta e destacando a importância do trabalho desenvolvido pelo projeto Canto na Escola, a prática de canto coral é muito tradicional e comum nos países desenvolvidos. Existem várias listas de pessoas famosas que desde pequenas foram coralistas e muitos atribuem à experiência o desenvolvimento da segurança e da liderança. O site Broadway.com cita personalidades como Anne Hathaway, Cole Porter, Leonard Bernstein e Ashton Kutcher e também, Barbra Streisand e Neil Diamond que estudaram juntos e cantaram no mesmo coral da escola.

Anne Hathaway com o coro infantil PS22 de Nova York que, não por acaso, encerrou a cerimônia do Oscar em 2011
 Até alguns menos certinhos foram coralistas assíduos é o caso da cantora Pink e de Dee Snider – vocalista da banda de Heavy Metal Twisted Sister – que cantou no coro da igreja, em vários corais de escolas e foi selecionado para cantar no Coro Estadual. Outras reportagens mencionam astros como Kevin Costner, Aretha Franklyn - que chegou a ser considerada pela revista Rolling Stones como a maior cantora de todos os tempos - e o multitalentoso músico e cantor Bobby Macferrin como iniciantes de coral. Até a atualmente famosa cantora Kate Perry começou cantando na Igreja.

Quem diria que Dee Sinder teria começado como um comportado cantor de coral, mas nada é por acaso.
Na música clássica temos também coralistas famosos, compositores como Haydn e Schubert integraram o grupo de Meninos Cantores de Viena (Wiener Sängerknaben), fundado há mais de quinhentos anos(!) O coral é privado, sem fins lucrativos e descende da tradição de meninos cantores da corte vienense que remonta aos tempos da idade média (fundação em 07 de julho de 1498). Os meninos recebem sólida educação musical, que em muitos casos tem impacto significativo ao longo de suas vidas, tanto que muitos se tornam músicos profissionais. Os maestros Hans Richter, Felix Mottl, Georg Tintner e Clemens Krauss também fizeram parte do coro.

Villa-Lobos regendo um coro com mais de 40.000 estudantes no estádio do Vasco em 1940
A tradição de canto e ensino de música teve grande impulso no Brasil com o compositor Heitor Villa-Lobos e seus orfeões, que, não era a mesma coisa que o coral tradicional, mas era muito mais do que tivemos dos anos cinquenta para cá. Já pensou se o mesmo tivesse acontecido dos anos sessenta em diante com Tom Jobim comandando a educação musical do país? É clara, portanto, a falta de líderes que unifiquem iniciativas como a do Governo Federal quando tornou obrigatório por Lei o ensino de música nas escolas. O próprio ex-ministro Gilberto Gil criticou a iniciativa contestando especialmente a palavra “obrigatório”.

Visão impressionante do orfeão no estádio do Vasco em 1940
É preciso voltar a atender na base, no ensino fundamental, mas não pode ser com improviso ou com a boa vontade de uns e outros. Não há nada do mundo que venha sem esforço, investimento e continuidade. Vemos óperas, musicais e canções em outras culturas de países distantes que nos encantam e influenciam, precisamos parar de nos comparar e buscar corrigir a direção de nosso ensino que hoje faz um jovem musical e talentoso chegar à idade adulta trabalhando como pedreiro ou uma jovem cantora investindo seu talento nos tão mal afamados e combatidos bailes funk.

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