Nesta semana duas
histórias envolvendo o ensino de música - ou a falta deste - despertaram a
atenção da grande mídia: primeiro, a ascensão da nova musa do funk carioca, uma
certa Mc Anitta. A reportagem destaca que a moça começou cantando num coro de
igreja e agora, aos dezoito anos, exibe seu talento na companhia nada religiosa
da equipe de Mcs Furacão 2000.
A outra história pitoresca
é a de um pedreiro que abismou a todos por gostar de tocar piano. Veja a
reportagem no link abaixo.
http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2012/09/noticias/cidades/1360599-pedreiro-transforma-hora-do-almoco-em-espetaculo-musical-em-vitoria.html
As duas histórias
servem como indicadores de tendências, de um momento que vivemos dentro da
sociedade, por um lado a iniciação precoce às artes que formam novos ícones
positivos (ser uma famosa cantora de funk não é crime nem vergonha); por outro
a gritante falta de acesso aos bens culturais das camadas menos favorecidas – e
maioria – da população. É preciso parar e refletir bastante quando no mundo em
que vivemos a notícia de um rapaz que trabalha como pedreiro e toca (na verdade
quer aprender a tocar) piano é tratada como fato muito curioso, um espanto.
Os jovens brasileiros
costumam se comparar com os “famosos” da mídia mundial, muitos parecem achar
que talento é uma coisa inata, um dom e que, sem estudar apropriadamente, podem
muito bem sonhar em serem os novos ídolos de sua geração. Nos países
desenvolvidos os jovens têm acesso à compra de instrumentos musicais e ao
estudo com professores, se quiserem podem ir a museus, teatro, cinema ou
consumir literatura em grandes bibliotecas e livrarias. Existe lá uma indústria
do entretenimento que é levada muito a sério, assim como o é a formação para o
indivíduo que vai atuar na área.
Voltando ao exemplo da
Mc Anitta e destacando a importância do trabalho desenvolvido pelo projeto Canto
na Escola, a prática de canto coral é muito tradicional e comum nos países
desenvolvidos. Existem várias listas de pessoas famosas que desde pequenas
foram coralistas e muitos atribuem à experiência o desenvolvimento da segurança
e da liderança. O site Broadway.com cita personalidades como Anne Hathaway, Cole
Porter, Leonard Bernstein e Ashton Kutcher e também, Barbra Streisand e Neil
Diamond que estudaram juntos e cantaram no mesmo coral da escola.
Anne Hathaway com o coro infantil PS22 de Nova York que, não por acaso, encerrou a cerimônia do Oscar em 2011 |
Até alguns menos
certinhos foram coralistas assíduos é o caso da cantora Pink e de Dee Snider – vocalista
da banda de Heavy Metal Twisted Sister – que cantou no coro da igreja, em vários
corais de escolas e foi selecionado para cantar no Coro Estadual. Outras
reportagens mencionam astros como Kevin Costner, Aretha Franklyn - que chegou a
ser considerada pela revista Rolling Stones como a maior cantora de todos os
tempos - e o multitalentoso músico e cantor Bobby Macferrin como iniciantes de
coral. Até a atualmente famosa cantora Kate Perry começou cantando na Igreja.
Quem diria que Dee Sinder teria começado como um comportado cantor de coral, mas nada é por acaso. |
Na música clássica
temos também coralistas famosos, compositores como Haydn e Schubert integraram o
grupo de Meninos Cantores de Viena (Wiener Sängerknaben), fundado há mais de
quinhentos anos(!) O coral é privado, sem fins lucrativos e descende da
tradição de meninos cantores da corte vienense que remonta aos tempos da idade
média (fundação em 07 de julho de 1498). Os meninos recebem sólida educação
musical, que em muitos casos tem impacto significativo ao longo de suas vidas,
tanto que muitos se tornam músicos profissionais. Os maestros Hans Richter,
Felix Mottl, Georg Tintner e Clemens Krauss também fizeram parte do coro.
Villa-Lobos regendo um coro com mais de 40.000 estudantes no estádio do Vasco em 1940 |
A tradição de canto e
ensino de música teve grande impulso no Brasil com o compositor Heitor Villa-Lobos e seus orfeões, que, não era a mesma coisa que o coral tradicional, mas
era muito mais do que tivemos dos anos cinquenta para cá. Já pensou se o mesmo
tivesse acontecido dos anos sessenta em diante com Tom Jobim comandando a
educação musical do país? É clara, portanto, a falta de líderes que unifiquem iniciativas
como a do Governo Federal quando tornou obrigatório por Lei o ensino de música
nas escolas. O próprio ex-ministro Gilberto Gil criticou a iniciativa contestando
especialmente a palavra “obrigatório”.
Visão impressionante do orfeão no estádio do Vasco em 1940 |
É preciso voltar a
atender na base, no ensino fundamental, mas não pode ser com improviso ou com a
boa vontade de uns e outros. Não há nada do mundo que venha sem esforço, investimento
e continuidade. Vemos óperas, musicais e canções em outras culturas de países
distantes que nos encantam e influenciam, precisamos parar de nos comparar e buscar
corrigir a direção de nosso ensino que hoje faz um jovem musical e talentoso
chegar à idade adulta trabalhando como pedreiro ou uma jovem cantora investindo
seu talento nos tão mal afamados e combatidos bailes funk.
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